terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Arriscado é não inovar

Em muitas empresas inovação é sinônimo de risco. Esse fenômeno é mais comummente visto em organizações que estão trabalhando no limite da sua capacidade operacional, isto é, possuem uma demanda superior àquilo que conseguem ofertar ao mercado, seja por uma dificuldade de crescimento orgânico ou até mesmo por uma estratégia de prestar um serviço diferenciado. Numa organização destas, que possui carteira de pedidos pendentes, como justificar a alocação de uma parcela dos (escassos) recursos humanos e financeiros para investir em novas ideias e produtos? Normalmente os acionistas (ou donos) viriam essa estratégia como algo muito arriscado, afinal, se é possível faturar mais e mais no negócio atual, por que investir em algo novo com receita duvidosa? Esse raciocínio parece óbvio, senão lógico, exceto por um ponto: o objetivo de qualquer empresa é sua perpetuação futura, não apenas a receita presente. Ao investir todas suas fichas na geração de caixa com base nos produtos atuais a organização pode estar hipotecando seu futuro.


Mas afinal, inovar não é arriscado? A história mostra que não, muito pelo contrário. Grandes e centenárias empresas como DuPont, 3M, GE são exemplos de que a inovação é a única receita para a perpetuação de uma organização. São empresas que adotam um processo sistêmico de inovação, conforme bem definido por Peter Drucker:

"Inovação sistêmica consiste na busca por mudanças e numa análise sistemática das oportunidades que essas mudanças podem oferecer para uma inovação social ou econômica."


Essas mudanças podem já ter ocorrido ou ainda estar por acontecer. A grande maioria das inovações de sucesso explora a mudança, senão as criam (exemplo: a mudança introduzida pela invenção do avião criou toda uma nova indústria). A tabela abaixo ilustra alguns exemplos de mudanças que ocorreram em algumas indústrias e como algumas empresas inovaram enquanto outras perderam mercado a partir destes eventos.

Mudança Tipo de inovação Exemplo de quem se beneficiou Exemplo de quem perdeu
Criação do modelo de produção just in time para otimização da produção de automóveis Disruptiva Toyota partiu de uma posição insignificante para a liderança do mercado American Motors Corporation (AMC) quase faliu em 1980, tendo sido adquirida pela Renault
Popularização dos smartphones Incremental Apple foi a empresa que liderou esse processo de mudança e conseguiu se tornar a empresa mais valiosa do mundo. Blackberry que tinha uma grande fatia dos smartphones corporativos nos anos 2000 e hoje está quase falida.
Aumento da capacidade de transmissão de dados via Internet Incremental Netflix se posicionou como um player que utiliza a capacidade de conexão para entrega de vídeos e séries a seus clientes, algo impossível antes de haver conexões de boa qualidade. Blockbuster, 100% vídeo, entre outras videolocadoras são empresas que viram seus negócios originais morrerem devido a esta mudança tecnológica. Tinham tudo para ter feito o que o Netflix fez, mas não conseguiram inovar. 


As empresas que se aproveitaram destas mudanças não conseguiram isso por pura sorte, trata-se de um processo que pode ser replicado e aperfeiçoado. O processo sistêmico de inovação pode ser resumido nos seguintes passos:



Como ilustrado na figura as mudanças surgem no ambiente (ou são provocadas), e, com base nestas mudanças, o empreendedor deve buscar as oportunidades que se abrem, para então desenhar um novo  
produto ou conceito inovador que vá explorar essa mudança. Para tornar mais concreto este processo, vamos a um exemplo prático. Vamos analisar as seguintes mudanças recentes:
  1. Tendência das pessoas terem menos tempo disponível para o convívio social nas grandes cidades, devido ao trânsito, excesso de trabalho, etc.
  2.  Surgimento da Internet 
Com base nessas mudanças alguns empreendedores realizaram uma busca por oportunidades e chegaram a um conceito inovador: Redes sociais.
Esse processo, embora óbvio hoje, não era na época e levou anos para que o conceito fosse aceito e ganhasse popularidade. O empreendedor que entendeu a mudança e a converteu em inovação pode ter colhido bons frutos de sua visão.

Grandes inovações como redes sociais ou a invenção do avião não ocorrem todos os dias, a grande maioria das inovações são incrementais e visam melhorar processos atuais ou criar produtos melhores.

Agora retornando ao título do artigo, qual é o problema de uma empresa não inovar? O problema é que os concorrentes dela irão fazê-lo, criando produtos melhores e mais competitivos, prestando um serviço melhor e diferenciado. Certamente seus clientes logo perceberão que esta organização ficou para trás e vão mudar de produto ou serviço, decretando seu fim. Claro que esse argumento não vale para empresas que tenham algum tipo de monopólio de mercado, não por acaso organizações monopolistas geralmente prestam um mau serviço aos seus clientes, mas estes não tem o poder de trocar de fornecedor como gostariam.

Agora será que inovar não é arriscado? E se a inovação não der certo? Vamos a um exemplo de uma indústria onde as empresas dependem essencialmente de inovação para se perpetuar, a indústria farmacêutica. Não existem estatísticas oficiais, mas estima-se que 19 de cada 20 novas drogas desenvolvidas pelos laboratórios não chegam a serem comercializadas. Isso significa um índice de sucesso de apenas 5%. Além disso, o desenvolvimento de uma nova droga pode consumir mais de USD 1 bilhão em pesquisa. Ou seja, um laboratório que busque criar 20 novos produtos num certo período pode "desperdiçar" mais de USD 19 bilhões. Seria mesmo desperdício? A indústria farmacêutica acha que não, caso contrário estaria alocando seu capital em outros investimentos. A grande diferença é que essa indústria se adaptou à constante necessidade de inovação, adotando processos sistêmicos de busca de inovações e novos produtos. O arcabouço regulatório estimulou isso visto que a patente das novas drogas tem uma validade finita, estimulando a busca por novos produtos para se perpetuar no negócio.


O mesmo processo sistêmico que funciona bem em várias empresas e indústrias pode funcionar na grande maioria das organizações, é uma questão de colocar prioridade no tema, alocar os recursos e se preparar para os fracassos que certamente ocorrerão. Afinal, uma empresa que se preocupa apenas com o presente, não está construindo seu futuro, esse é o grande risco. Visto desta forma, inovar é extremamente seguro. 

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

O cliente que não sabe o que quer: sua maior benção

Independentemente da área de atuação todos possuem clientes, sejam eles internos ou externos, afinal o propósito de qualquer trabalho é servir alguém, seja através de um produto ou serviço.

E quem nunca teve a sensação de que o cliente não tem a menor ideia do que quer? Embora essa seja uma reclamação comum de ouvir em fornecedores, esse tipo de cliente é a maior benção que um fornecedor pode ter e, em alguns casos, esse comportamento é excelente também para a própria empresa cliente.



Mas algumas pessoas podem questionar: não seria melhor e mais produtivo se o cliente soubesse exatamente o que quer? Trago duas pontos para refletir sobre este questionamento:

  1. Se ele soubesse exatamente o que quer, não seria necessário um fornecedor que participasse do seu negócio, mas apenas um que pudesse executar tecnicamente o que foi solicitado. E isso se traduz numa menor margem ao fornecedor, pois o seu valor agregado ao cliente é meramente técnico, algo que outro fornecedor igualmente bem qualificado poderia também fazer.
  2.  Não me parece coerente um cliente saber exatamente o que pedir a um fornecedor sendo que a sua área de atuação é diferente da do fornecedor. É exatamente por isso que ele recorreu ao parceiro externo. Será que esse cliente está bem informado sobre todas as tendências do mercado deste fornecedor? Ele não deveria estar, pois seu tempo deveria ser investido em compreender e melhorar o negócio da sua empresa, não a do fornecedor. Se ele sabe muito do mercado do fornecedor é porque sabe pouco do seu, logo vai saber exatamente o que quer na perspectiva técnica, mas não na do negócio, o que invalida o pressuposto inicial: ele não sabe o que quer.


Eu acredito que cliente e fornecedor devem trabalhar juntos na composição das soluções, cada qual com sua expertise especializada. O cliente deve ter profundo conhecimento do seu mercado alvo, das
necessidades de seus clientes, dos seus diferencias, da sua concorrência, etc. O fornecedor, por outro
lado, deve conhecer muito sobre o seu produto ou serviço e como aplicá-lo em cada problema de negócio. Tanto fornecedor como cliente devem possuir uma interseção de conhecimento de forma que exista um diálogo produtivo entre eles.

Em geral o que percebo é que os clientes tentam conhecer sobre o domínio do fornecedor, mas estes evitam compreender o domínio de negócio dos seus clientes, limitando-se a perguntar ao cliente o
que ele deseja. É nesse cenário que surgem comentários como o do título deste artigo: o cliente não sabe o que quer! Um cliente que não sabe o quer é problema apenas para um fornecedor que não sabe do negócio do seu cliente. Quando cliente e fornecedor trabalham juntos, cada qual no seu domínio de atuação, a inovação floresce devido ao fato de um não conhecer a totalidade da realidade do outro, o que estimula perguntas que num outro cenário poderiam ser vistas como estúpidas ou irrelevantes. Esse questionamento é fundamental para que se chegue a uma solução de alto valor agregado.

Portanto, se você possui um cliente que não sabe o que quer, parabéns! Aproveite a oportunidade para trabalhar junto com ele numa solução que realmente vai fazer a diferença. Agora, se você deseja um cliente que saiba exatamente o que precisa e que te traga tudo muito bem definido, muito cuidado, você pode ser substituído a qualquer momento, pois escolheu o caminho de ser um mero fornecedor, e não um parceiro. 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Por que grandes empresas têm dificuldades para inovar?

Embora esteja longe de ser uma regra, é bastante comum observarmos grandes empresas enfrentando dificuldades para inovar e garantir a sustentabilidade do seu negócio. Talvez por ironia do destino, a maioria destas organizações deve sua grandiosidade à inovação realizada em algum momento no passado. 
RIM 900 - Primeiro e inovador pager criado pela RIM em 1996




Um caso recente de grande visibilidade é o da RIM (dona da BlackBerry). Fundada em 1984 a RIM criou um grande número de patentes e chegou a valer USD 67 bilhões em 2007 se transformando na empresa mais valiosa do Canadá. 
Desde 2007 muita coisa mudou e o iPhone, Androids, etc transformaram a indústria de smartphones. Hoje a RIM (que mudou de nome para BlackBerry) é avaliada em menos de USD 5 bilhões e busca desesperadamente por uma solução.

Como uma empresa tão grande e inovadora pode ruir em tão pouco tempo?

Um interessante estudo realizado pela Standard & Poors mediu o tempo médio que uma determinada empresa permanece dentro do índice S&P 500. Em outras palavras, por quanto tempo uma empresa que se tornou grande permanece grande? 
Tempo médio de permanência no índice S&P 500

O resultado mostra que esse tempo que já foi de 61 anos em 1958 hoje está em 18 anos. Ou seja, se uma empresa entrar hoje no clube das grandes, é provável que permaneça lá apenas até completar 18 anos. 
Embora não se tenha uma única razão para esta mudança, é fato que a revolução tecnológica das últimas décadas tem contribuído para que se criem novas grandes empresas, mas também para que grandes empresas sejam reduzidas a pó. O movimento em si não é novo, mas o ritmo da mudança tem assustado. Afinal de contas , ninguém diria há 15 anos que hoje Google, Amazon, Facebook entre outras seriam das empresas mais valiosas do mundo. Mas não apenas de novatas vive o mundo das grandes empresa, há excelentes exemplos de corporações centenárias, que permanecem relevantes mesmo após décadas  ou séculos de liderança tais como DuPont (1802), CitiGroup (1812) ou General Eletric (1892). E o que essas grandes anciãs e suas novatas companheiras têm em comum? Todas inovam, não apenas no discurso, mas inovam e muito na prática do dia a dia. Eu acabo por admirar muito mais as "velhas" inovadoras porque eu entendo que é muito mais complexo para uma grande e antiga empresa inovar, do que para uma leve e nova startup. 

Mas afinal, qual é a dificuldade? Uma grande empresa possui músculo financeiro, produtos e clientes, mas por que boa parte delas não consegue inovar de forma a manter e ampliar sua posição? Se você perguntar a alguém da gestão de uma empresa destas se inovação é importante vai receber um sonoro SIM como resposta e que eles investem milhões em inovação, que inclusive criaram uma área apenas para inovar, etc. O problema é que a prática teima em afirmar o contrário. 

A seguir eu listo alguns dos motivos que mais observei no dia a dia de grandes empresas que sufocam a inovação. 

Excesso de processos

Grandes empresas precisam de bons processos, não resta dúvida sobre isso. Ocorre que algumas exageram na mão e acabam por colocar a burocracia a frente dos objetivos estratégicos. 
Geralmente quanto mais o tempo passa, mais processos e controles são criados, mais tempo é dispendido para cumprir o rigor dos procedimentos e menos para criar valor ao negócio. Com o tempo, as pessoas acostumam-se ao grande volume de burocracia e deixam de questioná-la, tornando-se engrenagens da grande máquina. Quem não viu uma situação em que um erro é cometido e cuja solução dada pela organização é a criação de um novo processo para evitá-lo?
Eu acredito que essas empresas devem rever seus processos periodicamente com o intuito de reduzi-los, e não aumentá-los como é a regra. A questão fundamental para cada processo criado ou analisado deve ser: que valor este processo agrega para o meu negócio? Se for difícil encontrar uma resposta convincente talvez seja hora de eliminar ou rever este processo. 
Estimular uma cultura em que as pessoas possam questionar o processo é fundamental, só assim elas poderão exercitar sua inquietação, ingrediente essencial para a inovação. 

Tamanho


É muito mais difícil mudar a rota de um transatlântico do que de uma lancha. Novas e pequenas empresas sempre tem a vantagem de serem leves, de poder mudar sua estratégia e posicionamento sem grandes consequências, mas uma grande empresa não pode se dar a este luxo. Por exemplo, se uma empresa atua com um produto para a classe A e agora resolve vender um novo produto para a classe D, como seus clientes originais iriam reagir? Será que esse movimento não pode sufocar o seu caixa, pois ela vai perder clientes de um lado talvez numa velocidade superior ao que vai ganhar do outro. Por isso grandes empresas fazem movimentos muito calculados, às vezes até com certa lentidão quando visto de fora. Obviamente que há inúmeros casos de sucesso de grandes empresas que, apesar do tamanho, são extremamente inovadoras. Uma técnica em que acredito bastante para ultrapassar este problema  é a criação de spin-offs. Uma spin-off é uma operação independente criada a partir da empresa mãe para atuar num novo segmento, com um novo produto ou novo posicionamento. A spin-off tem a vantagem de ser leve, ao mesmo tempo em que dispõe de capital financeiro oriundo da empresa mãe. 

Pressões de curto prazo

Em algumas companhias, em especial nas de capital aberto, o CEO e o corpo diretor são extremamente pressionados por ganhos no curto prazo. Neste cenário qual seria a decisão de um executivo quando colocado diante do seguinte dilema: apostar numa inovação que pode trazer (ou não) resultados em 10 anos ou investir todas as fichas em produtos que já possui para entregar o resultado financeiro do próximo trimestre? O executivo é um ser humano e vai tomar a decisão que lhe garanta sobrevivência, afinal ele nem faz ideia de onde estará daqui a 10 anos. Isso ocorre em inúmeras empresas de capital aberto, algumas até resolvem fechar seu capital para poder se reposicionar, como foi o caso recente da Dell. 

Claro que fechar o capital não é uma saída possível para todas, mas cabe ao conselho da empresa colocar metas que estimulem a inovação e a sustentabilidade do negócio em longo prazo. Essas metas podem ser desde reduzir a participação na receita de um produto já em sua maturidade, bem como estipular alvos para o lançamento de novos produtos que contribuam com uma certa parcela da receita ou de clientes. Essas metas devem "forçar" o corpo diretivo a manter os olhos no longo prazo enquanto entrega os resultados imediatos. 


Política

Gostemos ou não, em grandes empresas investimos muito tempo fazendo política. A política pode funcionar tanto para o bem, quanto para o mal. Em algumas companhias pessoas tendem a evitar se expor, se arriscar, pois não sabem exatamente o que seus pares e interlocutores farão para ajudar ou atrapalhar seus objetivos. Esse ambiente onde todos atuam com extrema cautela é péssimo para uma empresa que deseja inovar. Afinal de contas, não existe inovação sem uma boa dose de ousadia. 
As companhias podem atuar para compreender o ambiente existente dentro da empresa através de ferramentas simples como pesquisas internas, avaliações 360 graus e metas cruzadas, de forma que as pessoas sejam levadas a colaborar umas com as outras.   

Cultura 

Talvez um dos itens mais difíceis de se alterar, a cultura é formada numa empresa por anos, tornando-se quase que um código de conduta que todos seguem, sem sequer se dar conta. A organização que deseja inovar deve promover uma cultura onde o erro seja aceito, sem ser tolerado. Isso significa que o erro é esperado, mas a sua ocorrência deve ser seguida de um aprendizado. As pessoas devem ser motivadas a tentar, mesmo que falhem, e suas falhas não podem ser alvo de punições ou achincalhamentos. O mais importante é observar no erro uma forma de aprender para realimentar o processo de inovação. Não por acaso empresas que promovem caça as bruxas na ocorrência de problemas raramente se destacam por sua inovação, embora em muitos casos sejam excelentes sob a ótica operacional. 

Criação do departamento de inovação

Esse é a atitude mais comum daquelas empresas que descobrem que é preciso inovar: vamos criar um departamento para isso! Eu acredito que esse é o primeiro erro. Não tenho nada contra existir esse departamento, mas não aceito a ideia de que a inovação vai ocorrer apenas num grupo de seletos profissionais que foram especialmente preparados para inovar. A inovação deve estar na cultura de toda a organização e próxima das pessoas que atuam junto aos clientes, no dia a dia.

O departamento de inovação pode fazer um excelente trabalho promovendo processos e técnicas para que toda a organização possa inovar, seja através de ferramentas tradicionais como caixas de idéias, ou até mesmo patrocinando políticas de estímulo à criação de novos produtos. Eu acredito que toda grande empresa deve ter um departamento destes, mas sua função não deve ser inovar, mas garantir que o resto da organização tenha condições para o fazer. 


Conclusão

É por estas e outras razões que entendo que inovar numa grande e já consolidada empresa é um enorme desafio. O problema é que muitas destas companhias não estão preparadas para enfrentá-lo e, não havendo uma mudança de curso, o mercado tratará de mostrar o problema de uma forma cada vez mais rápida. 


terça-feira, 9 de setembro de 2014

Quer crescer? Torne-se substituível!

Acredito que muitos já conheceram aquele profissional exemplar que entrega tudo com extrema qualidade, controla e gere bem sua equipe, é querido por muitos, consegue motivar e unir o grupo, mas que, por alguma razão, nunca é promovido para posições mais executivas. Em geral este profissional (e muitos a volta) sente-se injustiçado ao assistir a promoção de colegas que possuem um desempenho inferior ao seu na execução de demandas semelhantes.

Supondo que na empresa em que ele se encontra as promoções são realizadas por meritocracia e não por "questões políticas", o que será que ele está fazendo de errado?

Na maioria dos casos em que eu assisti esse profissional é super-requisitado e está envolvido em grande parte das decisões operacionais da empresa. É aquela pessoa que quando entra de férias faz uma falta imensa ao grupo e precisa ser contatado mesmo quando ausente para dar uma opinião ou fornecer alguma informação que só ele possui. Trata-se daquela pessoa praticamente insubstituível e que de alguma forma tem orgulho disso. É exatamente aqui que está o problema, a meu ver:

Como a organização vai promover uma pessoa que fará muita falta em sua função atual?

Como ele se comportará quando numa posição executiva, com uma equipe muito maior para gerir e controlar se tem a tendência a centralizar informação e decisões? É preciso lembrar que a empresa não paga um gestor para concentrar informações ou decisões, mas para ser responsável por elas e desenvolver um processo de forma que seu time tenha autonomia na execução do dia a dia e, além disso, que existam substitutos à altura quando este gestor se ausentar. Em resumo: o bom gestor é aquele que pode sim ser substituído, exatamente porque ele próprio preparou o terreno para sua substituição. 

Eu sugiro um teste muito simples para um gestor entender se ele pode ou não ser promovido: suma por uns tempos (férias, outros projetos, etc). Se ninguém sentir a sua falta, você está num bom caminho. O trabalho que uma empresa espera de um gestor é dotar sua equipe de independência e autonomia para a execução dos trabalhos, tudo é claro pautado por bons processos que garantam que os temas que merecem atenção especial sejam tratados no nível correto. Se a sua equipe consegue trabalhar com independência e precisa de você apenas em situações pontuais para tomada de decisão, meus parabéns, você está no caminho. Agora, se por outro lado, seu time constantemente recorre a você para esclarecer dúvidas, confirmar decisões, solicitar orientações, sinto muito, mas você ainda não pode ser promovido, afinal quem faria o seu trabalho atual? Você falhou em dois aspectos principais:
  1. Você tornou sua equipe dependente de você
  2. Você não criou um substituto

E o que fazer? Trabalhe todo dia buscando reduzir o nível relação que você possui com o dia a dia da equipe, oferecendo maior autonomia para o time e estimulando uma cultura de responsabilidade em cada um, demonstrando que você confia nas decisões de cada membro. Haverá dificuldades no início, algumas pessoas podem tomar decisões equivocadas e você será obrigado a intervir, mas sempre faça isso de uma maneira positiva, caso contrário o comportamento do teu liderado irá regredir para a antiga cultura do "valide tudo com o chefe antes". Depois de muito estimular este comportamento você perceberá que seus dias estão ficando mais leves, com menor demanda da equipe e mais tempo para dedicar às questões comerciais e estratégicas da companhia. Não esqueça também de elencar uma ou duas pessoas que são seus futuros substitutos, essas pessoas precisam ser preparadas para assumir suas responsabilidades no futuro e isso envolve conhecimento sobre o trabalho em si, bem como comportamento de gestor. 

Agora sim, enfim, você está pronto para alçar voos mais altos, pois cumpriu a sua missão em seu posto original: dotou sua equipe de processo, conhecimento e autonomia para a execução dos trabalhos. Você enfim, tornou-se substituível e está pronto para crescer!

E o que tudo isso tem a ver com inovação? Simplesmente tudo, pois a inovação dificilmente floresce num ambiente onde a estrutura de decisões é centralizada e o conhecimento limitado a um pequeno conjunto de pessoas. Não por acaso uma empresa inovadora geralmente possui excelentes gestores. 

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O poder do questionamento. Como um simples "porquê" pode mudar tudo

Tenho uma filha de aproximadamente 3 anos e sempre digo que aprendo mais com ela do que o contrário. A última lição que minha pequena princesa tem me ensinado é a magia do questionamento como forma de confrontar ideias e aumentar sua base de conhecimento. As crianças começam a realizar questionamentos a partir dos 2 anos de idade como uma forma de ampliar seu conhecimento sobre o mundo novo em que vivem. Para a mente de uma criança tudo é aceitável, mas de uma coisa ela não abre mão: entender a razão das coisas. Essa é a maneira que elas possuem de entender como as coisas funcionam e começar sua preparação para a vida adulta. Alguns pais sentem-se extremamente pressionados nesta fase, em particular para explicar temas mais polêmicos ou comportamentos não convencionais. Não vou entrar aqui no mérito do que é certo ou errado um pai fazer nesta fase porque não é esse o objetivo do blog, mas gostaria de chamar a atenção do leitor sobre como durante nossa vida deixamos de fazer coisas que até uma criança sabe que é importante: questionar.

Quando ficamos adultos, diferentemente das crianças, passamos a encarar os fatos como simples verdades e deixamos de questioná-los. Outro dia minha filha me perguntou por que ficou de noite e lhe respondi que estava de noite porque o sol tinha ido descansar. Imediatamente ela já quis saber por que ele foi descansar e a conversa foi longe... Nenhum adulto questiona mais porque temos dia e noite, ou sol e a lua. São verdades que assumimos, e são assim e ponto final.


Diferentemente do mundo da astronomia ou da física, no mundo dos negócios algumas verdades precisam ser questionadas para que se encontre a rota da inovação. Uma das formas de questionamento mais produtiva que já experimentei é a de buscar entender o "por que" das coisas, tal como minha filha de 3 anos sabe fazer melhor do que eu. Equipes que questionam e procuram entender a razão por trás de suas atividades produzem resultados superiores. Com questionamento aqui não defendo que as pessoas devem sempre compreender e concordar com as razões que as levam a realizar determinadas atividades. Isso seria tentar instituir uma democracia corporativa, algo que poderia ser visto como utópico na grande maioria das organizações. O que eu defendo é que as pessoas busquem sempre entender a razão que motiva a realização de sua atividade. Com isso ela poderá sempre aprimorar seu trabalho para ir de encontro às expectativas do real propósito dele (mesmo que não concorde com ele). Por exemplo, eu já vi gestores solicitando aos seus funcionários trabalhos com o seguinte descritivo via e-mail: "realize uma apresentação sobre o produto xyz". Neste exemplo o gestor falhou na comunicação por simplesmente não explicar a razão pela qual ele precisa desta apresentação, além do que o canal e-mail não é o ideal para este tipo de solicitação. No caso deste exemplo o que normalmente ocorre é a seguinte cadeia de eventos: 
  1. Gestor solicita apresentação.
  2.  Funcionário realiza o trabalho.
  3.  Gestor recebe o trabalho.
  4.  Gestor não gosta do trabalho e solicita revisão.
Os passos de 2 a 4 se repetem então de maneira indefinida até que se chegue ao propósito ou até que o tempo se esgote.
Como resultado desta dinâmica, cada um dos dois (gestor e funcionário) passa a ter sentimentos distintos:
  •  Gestor: rotula o funcionário como alguém de mau desempenho e que não entende sua visão.
  • Funcionário: sente que o gestor é muito exigente e que ele nunca ficará contente com nada que ele faça. Isso passa a gerar um sentimento de ansiedade em cada nova tarefa recebida, muitas vezes num círculo vicioso.

Quem não está fazendo o certo neste exemplo? Eu creio que ambos! Normalmente as pessoas tendem a culpar o gestor por não ter explicado corretamente ao funcionário o que pretendia, o que é perfeitamente justo. Mas, se o funcionário não estava em posse das informações necessárias para realizar um bom trabalho, por que não fez um conjunto de questões para guiar melhor suas atividades? Vergonha, receio, orgulho? Seja qual for a resposta, o fato é que o trabalho realizado não foi bom, e achar o melhor culpado não muda o resultado da equação. Como seria outra dinâmica para esta solicitação de trabalho? Veja se este exemplo pode tornar o resultado melhor:

  • Gestor chama funcionário e lhe solicita uma apresentação para o produto xyz e lhe informa os seguintes aspectos:
  • A apresentação será para um público-alvo executivo.
  • A audiência vem de um segmento de negócio que não conhece nosso produto.
  • Precisamos vender nosso produto à audiência explorando os pontos a e b.
  • É necessário que a plateia compreenda bem como nosso produto difere destes dois concorrentes particulares que estão na disputa.
  • Funcionário compreende os pontos e faz alguns questionamentos:
  • Existe um prazo limite para termos a apresentação?
  • A audiência já conhece dos produtos concorrentes?
  • Como a audiência nos percebe hoje?
  • Se tivesse que escolher uma marca a deixar nesta audiência, qual seria ela?
  • Gestor recebe o trabalho.
  • Gestor elogia o trabalho e solicita últimos ajustes.
  • Trabalho finalizado.
Como resultado desta dinâmica, cada um dos dois (gestor e funcionário) passa a ter sentimentos muito parecidos:

  •  Gestor: percebe no funcionário uma pessoa de espírito crítico que chama sua atenção a aspectos que ele não viu numa primeira vez (funcionário complementa o gestor).
  • Funcionário: Produz um bom resultado sabendo exatamente o impacto que seu trabalho pode trazer, comprometendo-se em fazer o melhor.

E, por fim, ambos saem da experiência sabendo mais do que sabiam antes do processo, pois houve uma efetiva troca de conhecimento e reflexões. Na próxima atividade que fizerem juntos o resultado será superior, provavelmente entrando num círculo virtuoso. E é nesse tipo de dinâmica que boa parte das inovações surge. Quando pessoas questionam, buscam entender e não atuam simplesmente como engrenagens numa grande máquina corporativa, novas abordagens ou paradigmas surgem para atender a insatisfação daqueles que compreendem o seu ambiente, mas não se satisfazem com ele.

Alguns leitores vão argumentar que possuem gestores que não abrem margem para este tipo de relação. Para esses eu faço uma provocação: você já tentou? Já mostrou a ele que você produz melhor e mais rápido quando detém toda a informação necessária para o seu trabalho? O caminho mais fácil é o de se colocar na posição de vítima, culpando o gestor ou o ambiente pela falta de diálogo ou abertura. Meu conselho: não faça isso, o ambiente pode até ter sua parcela de culpa, mas a responsabilidade sobre os resultados produzidos ao longo da sua carreira é exclusivamente sua, e é por esses resultados que você ficará marcado. Você acha que numa entrevista de emprego algum entrevistador vai realmente acreditar que o problema dos seus maus resultados era o seu gestor?


Para os gestores uma mensagem um pouco diferente: você já pensou como poderia melhorar seus resultados se gastasse alguns minutos a mais para explicar as atividades que delega? Se alguém do teu time sucessivamente entrega resultados diferentes do que você esperava, será que o problema não pode ser contigo?

Um hábito que eu incorporei a minha rotina quando alguém da equipe vem me falar algo é sempre questionar a razão. Se o cliente solicitou algo, eu imediatamente pergunto ao portador da mensagem: por que ele solicitou isso? Se a pessoa antes não sabia, passará a saber e, com essa informação, atuará melhor para atender ao cliente, pois agora entende o propósito. Além disso, esse constante questionamento que faço estimula uma cultura de entender o que há por detrás de cada entrega, tarefa ou compromisso. As pessoas já sabem que eu vou fazer essa "incômoda" pergunta, por isso se prepararam para ela. Depois de um tempo nem preciso mais fazer a pergunta, pois entender sempre o propósito das coisas passou a fazer parte da cultura. Não é fácil, não é simples, mas vale muito a pena pelos resultados superiores que você poderá entregar. Inclusive eu acredito que a cultura do questionamento seja uma pré-condição para inovar. 
A grande mensagem que eu queria passar com este post é: você já sabe como fazer, você já fez quando era criança, então nunca pare de questionar. Ser ou não apenas uma engrenagem da máquina corporativa depende muito mais de você do que de qualquer outra coisa. A inovação não surge normalmente de grandes ideias que as pessoas têm de repente, ela surge de pessoas que questionam, entendem e não se conformam em fazer algo de um jeito se há outra forma melhor de fazê-lo.


E você, já se perguntou por que está lendo este artigo? Compartilhe comigo suas razões :-)